Com as próprias mãos

Miolos carcomidos por micróbios e solidão, viajava na memória do que não vivenciou.

Queria ter ido ao outro lado do mundo, mas nunca saiu do subúrbio. Em um heroísmo lunático, tinha sobrevivido a um furacão, acolhido flagelados e resgatado animais em perigo.

Crente que a Terra era redonda, os cantos do mundo sacudiam seus intentos. Achava que o Polo Norte seria eterno, enquanto o gelo se esvaía em pingos de calor.

Desbravaria os sete mares, os cinco continentes e os nove planetas, até que descobriu que já não eram os mesmos – o mar se multiplicou, havia um sexto continente desabitado e um planeta tinha sido rebaixado.

Não era de convenções, mas seguia na rotina por tédio. Ousadia nos sonhos, inércia no cotidiano.

Gostaria de ter namorado alguém para dividir sua carência; aos seus olhos, só encontrou vazios. Bem que buscou!

Escabelava-se de dor e consumia-se em ânsia. O espelho rachado distorcia sua beleza em fragmentos desconexos que não reconhecia como seus. Melhor nem olhar.

Quem disse que a cabeça pensa e o peito sente?

Como sinto saudade com meu cérebro e falta com o estômago cheio?

De qual apetite se fala, da libido ou do proibido?

Por que respiro mesmo que eu não queira viver?

De tanto pesar, arrancou nacos daquele pão sem nem usar a faca, com as mãos em sangue pelo ataque ao amor-próprio.

Morreu tentando.

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