Herança culinária

Minha vó conta que a bisa brincava com os ossos que sobravam da cauda das vacas carneadas; eram carrinhos, boizinhos e até bonecas desfilando pelos carreiros de formiga. O problema era manter os cachorros longe daquelas delícias!

Uma vez fui no meu vô e ele estava arrancando pasto do meio das lajes da calçada. Usei tudo em um caldo quente para minha boneca que estava com febre. Ela se curou loguinho.

Eu fazia bolo de chocolate com um baldinho de terra e meio copo de água da mangueira. Enfeitava a mesa de aniversário do meu gato com pé de moleque e cocada feitos com pedrinhas de basalto e de dolomita do jardim de casa. Às vezes roubava areia da obra do vizinho e preparava cajuzinho com sementes de uva como enfeite.

Reunia grama, capim alto e folhagem e criava uma salada verde que combinava com aa almôndegas de cascalho do pátio de casa. Bolinhas de cinamomo eram tão nutritivas quanto grão de bico.

As panquecas de retalhos de chita eram deliciosas com o recheio de botões coloridos. Já restos de linha grossa de crochê rendiam uma macarronada que combinava com capeletti de feltro.

Preparava geleia de jambolão, mas minha mãe ficava furiosa porque manchava toda a roupa. Pena, era tão gostosa!

Chá de semente de goiaba com folha de parreira fazia bem para dormir, dizia para meus bichinhos de pelúcia.

Folhas soltas eram servidas como peixe assado com batata de pedra branca do caminho até a garagem.

Quando visitava minha melhor amiga, cozinhávamos ovinhos de codorna com os quartzos do canteiro. Ah, e as uvas na lama – durante a chuva – eram deliciosas!

Esperava um dia aprender a fazer pastel de vento, areia doce (e areia movediça), bolinho de chuva e sonho.

Hoje, comida não me falta. Aprendi quando criança e não parei mais; invento qualquer coisa e tá bom. Quer ver?

Ovo com queijo rende um beijo; rúcula em maço, um abraço.

Porto Alegre, 20 de novembro de 2023.

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