Quando neva no verão

Nunca gostei de viagem no verão. Preços exorbitantes, multidões ruidosas, alimentos expostos a tudo, enfim, nada convidativo.

Porém, há algum tempo, descobri as delícias de viajar rumo ao inverno boreal, não por coincidência o oposto ao nosso verão austral. Nossa alta estação de veraneio se transmuta em preços convidativos, aviões com espaço para se espichar a noite inteira, expectativa de congelar sem necessariamente derreter em seguida.

Desembarcar em uma terra gélida tem odor de protetor labial versão mint e sabor de nachos de diferentes cores e sabores. Traz a certeza de dormir com a janela fechada sem persiana, à luz do luar refletido pela neve espessa. Silencia o pensamento e abafa as tensões. Aliás, sempre quis poder engarrafar o silêncio, trazer para casa e abrir de vez em quando, como agora quando escrevo estas linhas ao som de pets insolentes e barulho de serra cortando metal. Ah, as maravilhas do isolamento térmico e sonoro!

Outro aspecto a considerar é a ausência de seres vivos indesejados – barata, escorpião, aranha, cobra, mosquito e por aí vai. Nada sobrevive a 20 graus negativos (aliás, abaixo de menos 10 não faz diferença), ou pelo menos nada vive dentro de casa. Sei, romances antigos mencionam ratazanas, mas isso foi em outros tempos. Daí talvez a imensa afeição por gatos domésticos, hoje com as unhas amputadas para que não arranhem os móveis da casa.

O frio intenso me nutre e as camadas de roupa se transformam em um cobertor ambulante que se exercita 3 vezes por dia ao remover a neve antes que congele e cause a queda de alguém. Neste caso, a indenização é tão alta que vale o sacrifício de acordar às 5 da matina para evitar problemas maiores.

Outro bom motivo para gastar energia é o risco de ganhar peso em meio a tanta comida diferente e boa. Claro, não se pode pensar na industrialização e seus ingredientes mil, mas que a comida é boa, é! Na volta se vê o que fazer.

Porém, a melhor lembrança são as conversas em torno da mesa de jantar às 5 da tarde: histórias, risadas, perguntas, surpresas regadas a vinho e amor. Sim, um amor que ultrapassa o equador e que hoje é uma memória quentinha em um frio inóspito lá fora.

De volta ao paraíso tropical, o embate com o calor ao sair do aeroporto e me defrontar com uma cortina de mormaço quase palpável. Lembro da minha garrafinha de silêncio e penso: “na próxima vez, vou trazer neve em pó”.

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