Broto longe, miudinha, silenciosa. A fonte se oculta na terra e, quando chego à tona, quase à toa, sou de uma calma só.
Apenas sugerida pela umidade no terreno, meus volteios superficiais criam um rastro de réptil que avança em silêncio.
Ao me encorpar, o volume adquire outra textura, desta vez com tons sonoros que indicam meu curso.
Em curvas, desço a serra às pressas e carrego sementes e lembranças do interior para nutrir o que estiver adiante.
Contorno ilhas, escapo das pontes, atravesso campos. Esculpo rochas e me derramo em cachoeiras – ruidosa, caio rendada como véu de noiva.
Extravaso energia e acolho ovas de uma fauna que retorna a cada estação que se instala. Atraio e seduzo, mas também assusto e recolho quem me receia.
Aceito que me naveguem em paz até que poluam minha essência. Aí a memória da morte trai o que me resta da vida.
Quando por fim me civilizo, agora é a hora da beleza, aquela artificial da foto, dos contrastes, do embarque apressado e cambaleante. Esquecem da leveza por falta de cor, odor e gosto. Tudo que querem é mais e mais barulho, peso, consistência.
Turistas predatórios, peixes exóticos e motores violentos – ninguém merece.
Minha denúncia escapa às margens aos borbotões e levo tudo que resiste a mim. Não há fogo que me contenha nem barreira que me impeça.
Deixei de insinuar, agora me anuncio.
Porto Alegre, 25 de setembro de 2023.