Quero lembrar do antes, quando tudo acontecia do outro lado do mundo.
Quero esquecer daquilo que nos trouxe até aqui – exclusão, preconceito, binarismo,
ganância, aposta na morte.
Quero lembrar da esperança, da alegria, da reconquista.
Quero esquecer da mentira a passos largos, em busca de corações carentes.
Quero lembrar da solidariedade e do sorriso franco.
Quero esquecer da superlotação e do individualismo (duas palavras que parecem
contraditórias: conviver no mesmo espaço sem se deixar afetar).
Quero lembrar dos abraços por nada, apenas sentir o outro em mim.
Quero esquecer do fôlego que faltava, do ar embaçado por trás da viseira, da
sobrancelha irreconhecível, das palavras daquele robô meio vivo.
Quero lembrar de rir, por mais que me canse. Dar gargalhadas por qualquer coisa,
entender o que está além das palavras.
Quero esquecer do ano com vinte e quatro meses, da solidão acompanhada de longe.
Não quero esquecer de lembrar das 621 mil perdas que sofremos.