“O tempo antes de nós é tão eterno quanto
o tempo à nossa frente”
Clarice Lispector
Sempre que me deparo com uma foto de um idoso longevo tendo seu centenário comemorado pela família (sim, quem disse que todos os velhinhos querem celebrar mais um ano rumo à finitude?), penso naqueles que não estão na foto, mas que o acompanharam até ali e ainda se desdobram em cuidados sem fim e, muitas vezes, sem sorrisos em troca. Ninguém chega até esta data desacompanhado, mas o retrato insiste em nos convencer de que a genética é a única responsável pelo feito.
A longevidade humana vem aumentando, mas não necessariamente acompanhada de plenitude de vida. O isolamento social, a dificuldade de comunicação e a perda de autonomia para gerir interesses próprios podem se tornar agravantes de uma sensação de impotência frente aos desafios da contemporaneidade. Soma-se a isso a solidão, a deficiência dos sentidos, a carência financeira, a difícil tarefa de identificar um projeto para o futuro próximo.
Tudo parece faltar, nada é suficiente – fazer-se mais presente, responder às mesmas perguntas, manter uma rotina inflexível etc. Cuidadores contratados ou informais podem contribuir para melhorar a qualidade do cotidiano, mas nada se compara a decisões tomadas por vontade própria. O tempo é marcado pela quantidade de pílulas a ingerir a cada refeição para tratar os diversos problemas de saúde que se entrecruzam no envelhecimento. O efeito dos medicamentos vai se recombinando e, com isso, as funções humanas se desequilibram: um é para diabetes, mas tira o sono; outro é para insônia, mas eleva a pressão arterial; trata-se o colesterol alto, mas ganha-se uma dor de estômago.
Diz-se que não basta aumentar o tempo de vida, mas sim dar vida aos anos que ganhamos. Afinal, o que fazer quando, mas uma vez, já se fez tudo antes do meio-dia? Quantas vezes alguém pode ler o mesmo jornal telegráfico que publica mais editais do que notícias? Com quem o velho vai comentar as mesmas notícias que se renovam apenas em torno de nomes e datas? O que vai fazer até a hora da primeira novela do dia?
E hoje é apenas segunda-feira!