Moro no planeta Terra, porém a água me domina. Não vivo sem ela, mas pode me matar por falta, por excesso, por ruindade.
Morro de sede, afogada, intoxicada, desfigurada. Nem sei quando foi a última vez em que nadei em paz, agora estou sempre preocupada com doença ou acidente. Posso sofrer um atropelamento por jet ski em água doce ou perder a perna para um tubarão à beira-mar.
Se eu beber água contaminada, posso adquirir hepatite. Se ingerir pouco, sofro por desidratação. Preciso tomar um litro e meio por dia, mas onde trabalho não tem filtro. Poderia tratar com cloro ou outro purificador, mas não tenho recursos para tal. Quem sabe ferver? Ah, não posso desperdiçar gás.
Quando aprendi sobre reaproveitamento de águas usadas, a horta já estava seca. A chuva costumava irrigar as plantas na varanda, até que um vendaval levou as calhas e revirou os vasos.
No último temporal, jurei que iria embora, mas meu barco naufragou e me salvei a nado.
Hoje, nada disso importa mais. Abaixo de minha árvore predileta, a água lavou tudo; sobrou apenas um mar de lama.
Porto Alegre, 11 de setembro de 2023