Uma estante de cima a baixo, caseira, encaixada entre dois pilares na parede lateral. Várias prateleiras de tábua resistente, protegidas contra cupim e envernizadas. Vidros de Nescafé e latas de goiabada cheios de recursos – “um dia posso precisar”. Pregos de ferro e galvanizados, com e sem cabeça; parafusos de todos os comprimentos e bitolas, porcas sextavadas e borboleta, arruelas avulsas; percevejos, cavilhas, buchas novas e usadas.
A furadeira ficava na altura dos olhos, junto com o fio e a extensão feita em casa. Ao lado, a caixa de ferramentas que surpreenderia Pandora: alicates de bico e de corte; chave inglesa, chave de boca e de fenda, chave Phillips; martelo, limas e grosa; nível, trena; atilhos de borracha, barbante e carretel de linha, fio de nylon, anzóis, clipes de papel, gilete, rolo de fita isolante e de vedação hidráulica, esmalte de unhas branco e vermelho.
Abaixo, latas de tinta grandes e pequenas, meio usadas, junto a pincéis recém comprados e antigo (mantidos com Isa Raz em um vidro de maionese), uma latinha com um pouco de gasolina. Na prateleira inferior, sobre azulejos e lajotas de antigas reformas, massa para vidros, meio saco de areia, um pouco de cimento, a indefectível pá de pedreiro, veneno contra pragas, cola de sapateiro, baldes deformados e bacias manchadas de tinta.
Junto à saída para o pátio, sob uma janela basculante que nunca era fechada – “cuidado com o gás carbônico” – nossa antiga cômoda infantil, decorada com figurinhas de chiclete Ping Pong. As gavetas atulhadas de rolos de corda e de arame, rede de pesca, fios elétricos de todas as cores e calibres, conexões para canos e esgoto, pedaços de estopa cheirando a gasolina, infinitas chaves e cadeados de portas deixadas para trás.
Sobre o móvel, um pé de ferro de sapateiro, o ferro de soldar com o respectivo rolo de estanho, um torno e uma caixa de sapato com lâmpadas, pilhas, fósforo e isqueiro. Um lampião a querosene garantia a luz em caso de temporal.
Apoiadas na parede ao lado, precárias escadas de três e seis degraus. Sustentadas por ganchos resistentes, a mangueira e a tesoura para grama e poda admiravam a pá, o ancinho, o regador e o desentupidor de vaso sanitário sobre o piso de cimento queimado. Um serrote – “limpo com sebo para deslizar melhor” – e um machado completavam o acervo para uso nos fins de semana.
O carro, que foi Gordini, Fusca e Gol, ocupava o maior espaço na garagem, mas era coadjuvante. Entrava de frente e se encaixava com jeito para não desarrumar a ordem pensada pelo dono, pai-mecânico-inventor. Um quadro-negro à direita e um mapa do Brasil à esquerda indicavam a distância a respeitar.
Quando deixou a casa, o avô-viúvo-doente levou consigo uma mesa de cabeceira remanescente do casamento para guardar algumas ferramentas no quarto em que foi morar na casa da filha. Herdei este móvel, o torno e o lampião.
Porto Alegre, 18 de setembro de 2023.