Carona, ônibus, metrô. Duas horas para ir, um pouco mais para voltar. Despesa, cansaço, tédio – agora, mais a desconfiança.
Trabalhar em saúde é difícil, mas todos admiram nossa dedicação. Porém, quando se trata de uma epidemia letal, ninguém nos quer por perto. Conseguem nos identificar de longe, mesmo os desconhecidos. Acho que tem um cheiro de hospital impregnado, talvez o jeito de passar álcool gel na mão depois de pagar a passagem ou o modo como converso com a mãe de alguma criança choramingando no trem. Há comentários maldosos, gente buscando outro assento para não se sentar ao meu lado, olhares cochichados de medo. Nojo, fobia, rechaço.
Conhecem os “Doutores da Alegria”? Vocês nunca foram hospitalizados e receberam visitantes que pareciam um pouco animados demais? Pois é, faço parte deste grupo. Entramos em cada quarto e brincamos tanto com pacientes como acompanhantes. Isso faz muito bem a nós, trabalhadores-artistas, pois alivia a pressão do sofrimento que, muitas vezes, nos aguarda em casa, também.
Cansada de ser mal-vista no transporte coletivo (pelo menos nunca fui xingada, como outros colegas), resolvi fazer uma experiência: recém-saída do trabalho, voltei para casa vestida com minha roupa de palhaça estilizada. Desta vez, olhares surpresos e curiosos e, puxando conversa aqui e ali, quase fiz uma performance. Alguém perguntou quanto eu ganhava por show, outros tiraram foto comigo e duas meninas vestidas de fada se aboletaram à minha frente. Depois de tantos plantões seguidos, nem me dei conta de que era Terça-Feira Gorda e que muitos ali estavam indo para o desfile de Carnaval.
Um ano e tanto de pandemia, descobri como poderia passar despercebida entre os que me temem pelo que supostamente carrego para casa.