Cresceu aos trancos e barrancos, tentava agradar a todos e respondia a cada um de maneira errática. Era impulsiva e tinha surtos de afobação. Talvez por isso, a constância lhe parecia improvável, mas, quem sabe, a juventude e o amor seriam eternos.
Estudou, militou, apaixonou-se, chorou, resistiu. Ao seu redor, a família crescia e os amigos já não estavam disponíveis para noitadas. Persistente, mas sozinha, seguia com arroubos de enfrentamento. Uma primeira crônica escrita há muito tempo foi a única durante as décadas seguintes.
Delineou uma carreira híbrida, oscilando entre a profissão e o ofício, o que lhe custou algumas oportunidades frustradas. Trabalhava com textos alheios, muitos bem elaborados, mas outros sofríveis. Traduzia narrativas, relatórios, pesquisas, protocolos, artigos, piadas. Porém, onde encontrar a si?
Sua escrita emudecida começou a incomodar e sentia-se sufocada por palavras sem dono que a habitavam. Quanto mais desconfortável ficava, mais trabalho aparecia e, tal qual uma dieta sempre adiada, “amanhã eu começo a escrever”. Tinha certeza de que precisava iniciar, mas como? Quando?
Dava-se poucos intervalos; no ócio, muitas ideias circulavam na sua mente entre a lista de afazeres e os deveres familiares. Seu não fazer nada era preenchido por vozes aguardando registro.
A maturidade levou-a a uma vida mais calma. Aprendeu a receber sem ter que oferecer, a ser amada e a dizer não. Perdeu autoridade para conquistar autoria.
Abriu mão do tempo livre para investir no próprio escrever, e o que era caótico encontrou caminho entre linhas e espaços que podiam ser subvertidos à vontade. Finalmente transgressão, quando antes seguia rígida o que recebia pronto.
Começou a fazer escolhas não excludentes, conquistou a liberdade e foi morar na praia. Publicou sua criação e conheceu gente nova, um desejo antigo.
A caminhada é longa, mas vale a pena.